Tudo cinza

Ilustração: Giulia Fioratti

Alguns dias são assim... A gente demora para abrir os olhos, não quer levantar da cama, como se fosse um aviso de que algo poderia dar errado. Mal sabemos o que o dia nos reserva e estamos lá, dando a cara a tapa para o destino fazer o que quiser com a gente. De vez em quando, se um dia fica cinza dentro de mim, eu uso a imaginação. Falam por aí que quem faz o dia bonito somos nós, então eu fui brincar de inventar. Imaginei que eu era uma princesa e que todo mundo queria me paparicar e me ver bem. Brinquei de ser criança, porque brincando eu esquecia do que estava escurecido. Eu fingi ser estátua; deitei na cama e não me permitir nem mudar de posição, a fim de descansar tudo aquilo que estava cansado em mim. Brinquei de gente grande e me convenci: adulto tem mesmo muitas preocupações. Inventei que eu era sábia e que eu ia achar a solução. Me fingi de coração: deixei que o lado racional adormecesse e me coloquei a trabalhar firmemente. Vesti o meu eu transparente e não escondi minhas confusões, irritações e frustrações. Brinquei de ser mulher. Tomei um banho, escolhi a roupa mais bonita e passei um batom vermelho (eu só queria me valorizar). Decidi ser a melhor escritora que eu conheço, pois quando se trata de mim mesma, quem melhor sabe me descrever? Me fiz rainha e decretei: você é melhor que qualquer besteira. Banquei a policial e gritei: você está infringindo a lei! E que lei? As minhas leis! Aquelas em que eu decidi que não deixaria de sorrir, aquelas que diziam que eu não poderia esquecer dos meus princípios, aquela que falava sobre ser feliz. Nessa Constituição de mim mesma só eu posso me fiscalizar, punir e decidir o melhor caminho para melhorar. Só eu consigo imaginar um dia melhor, fazer dele mais bonito, colorido, brilhante, importante, quando ele foi só um dia cinza.