Viagem a duas

24 junho 2015
Faltam dez dias. Dez dias para que eu embarque no avião que vai me levar direto e sem escalas até o meu sonho. Dez dias para eu deixar tudo em stand by, até que seja a hora de voltar e encarar a realidade. Dez dias para eu entrar em um estado profundo de amor: comigo mesma. 
Já me questionaram: "Mas você vai sozinha?" E a única resposta à altura que conseguir dar foi: "Por que não?" Nunca antes havia estado tão bem comigo mesma quanto nos dias de hoje, então porque não aproveitar e, como dizem por aí, dançar com a solidão? Londres é aquele tipo de sonho que muitas pessoas idealizam com o amor-da-vida. Mas e se o amor-da-minha-vida for eu mesma, por enquanto? 
O sonho está ali e eu quase posso tocá-lo. Como se ele estivesse dentro de uma caixa grande e transparente e eu pudesse enxergar seu conteúdo, mas não pudesse alcançá-lo sem, antes, pular dez dias-obstáculos incrivelmente longos
Só que eles, os outros, não são capazes de entender. É como se eu, ao me escolher, estivesse cometendo um delito grave, sem perdão. Como se as situações da vida só pudessem ser vividas com mil pessoas ao redor e como se escolher viajar sozinha fosse perda de tempo. As únicas pessoas que podem me compreender já estiveram no meu lugar. E eu as compreendo tão bem, quanto compreenderia minha futura filha se ela me dissesse: mãe, tô indo viajar, estudar fora, viver meu sonho. "Vai, filha. Não espera não. Não espera alguém te entender e vai. Corre. Vamos arrumar suas malas."
É que em meus poucos anos de vida pude entender que na caminhada do crescimento somos só eu e eu. Nós duas. Mais fortes do que nunca. Mais completas e satisfeitas. Menos inseguras e mais famintas por aventuras. 
Então vou fazer minhas malas. Levar apenas o suficiente e extremamente necessário. Deixar meus pesos, dores, angústias aqui. Depois disso, é só abrir a porta, descer as escadas do avião e curtir a minha primeira lua de mel comigo mesma. Vai ter amor, vai ter vinho, vai ter leitura em cafés bonitinhos, vai ter noites de pubs, vai ter Paris, parisienses, londrinos charmosos...
Seremos somente nós duas e nossos melhores capítulos. Por enquanto.

Foto: Alessandra Gomes

Essa é a crônica perfeita para o momento, que me inspirou a escrever "Viagem a duas"

Nós, por Martha Medeiros

Poucas pessoas gostam de viajar sozinhas. O que é compreensível: a melhor modalidade é a dois, também acho. Mas, na ausência momentânea de parceria, por que desconsiderar uma lua de mel consigo mesmo?
Uma amiga psicanalista me disse que não é por medo que as pessoas não viajam sozinhas, e sim por vergonha. Faz sentido: numa sociedade que condena a solidão como se fosse uma doença, é natural que as pessoas se sintam desconfortáveis ao circularem desacompanhadas, dando a impressão de serem portadoras de algum vírus contagioso. Pena. Tão preocupadas com sua autoimagem, perdem de se conhecer mais profundamente e de se divertir com elas próprias.
Vivi recentemente essa experiência. Tirei 10 dias de férias, e não diga que não reparou, ou morrerei de desgosto. Estive em lugares que já conhecia para não me sentir obrigada a conferir as atrações turísticas - o “aproveitar” não precisa necessariamente ser dinâmico, podemos aproveitar o sossego também. Minha intenção era apenas flanar, ler, rever amigos que moram longe e observar a vida acontecendo ao redor, sem pressa, sem mapas, sem guias. Dormir até mais tarde e almoçar na hora em que batesse a fome, se batesse. Estar disponível para conversar com estranhos, perceber o entorno de forma mais aguçada, circular de bicicleta por cidades estrangeiras. Ave, bicicleta! Diante do incremento de turistas no mundo, não raro impossibilitando a contemplação de certos pontos, alugar uma bike às 7h30 foi a solução para curtir ruas vazias e silenciosas.
Solitários, somos todos, faz parte da nossa essência. Não é um defeito de fabricação ou prova de nossa inadequação ao mundo, ao contrário: muitas vezes, a solidão confirma nossa dignidade quando não se está a fim de negociar nossos desejos em troca de companhia temporária. E a propósito: quem disse que, sozinho, não se está igualmente comprometido?
Numa praça em Roma, um casal de brasileiros se aproximou. Começamos a conversar. Lá pelas tantas, perguntei de onde eles eram. “De São Paulo, e você?” Respondi: “Nós, de Porto Alegre”. Nós!!! Quanta risada rendeu esse ato falho. Eu e eu. Dupla imbatível, amor eterno, afinidade total.
Se você não se atura, melhor não viajar em sua própria companhia. Mas se está tudo bem entre “vocês”, saiam por aí e descubram como é bom sentar num café num dia de sol, pedir algo para beber enquanto lê um bom livro, subir até terraços para apreciar vistas deslumbrantes, entrar em lojas e ficar lá dentro o tempo que desejar, entrar num museu e sair dali quando bem entender, caminhar sem trajeto definido nem hora pra voltar, pedalar ao longo de um rio ouvindo suas músicas preferidas no iPod, em conexão com seus pensamentos e sentimentos, nada mais.
Vergonha? Senti poucas vezes na vida, quando não me reconheci dentro da própria pele. Mas estando em mim, sob qualquer circunstância, jamais estarei só.

Crônica publicada no jornal Zero Hora em 30 de setembro de 2012

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